Com atuação crescente em grandes hospitais e sistemas de saúde, Engenharia Clínica se consolida no Brasil e demanda formação mais estruturada
A Engenharia Clínica é o ramo da Engenharia Biomédica que atua diretamente na gestão de tecnologias para saúde, com foco em manutenção, segurança, incorporação e operação de equipamentos médico-hospitalares. Presente em hospitais públicos e privados, laboratórios, operadoras de saúde, empresas de tecnologia e até em órgãos reguladores, o engenheiro clínico é hoje figura importante na gestão de equipamentos médico-hospitalares.
Embora compartilhem fundamentos técnicos semelhantes, Engenharia Biomédica e Engenharia Clínica têm escopos distintos. A primeira tende a ter ênfase em pesquisa e desenvolvimento de dispositivos, enquanto a segunda atua diretamente no cotidiano hospitalar. Ricardo Alcoforado Maranhão Sá, Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Clínica (ABEClin), detalha que o engenheiro clínico está presente em clínicas, hospitais, hemocentros, bancos de sangue, fabricantes de equipamentos médicos e órgãos como a Anvisa e o Ministério da Saúde..
Sônia Maria Malmonge, Presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica (SBEB), explica que a Engenharia Clínica vem crescendo diante da incorporação de tecnologias como robótica, telemedicina, Internet das Coisas (IoT) e inteligência artificial. “A Engenharia Clínica atua com foco voltado na gestão de tecnologia em saúde, manutenção, regulamentação e operação em ambientes hospitalares. A atuação sinérgica entre a SBEB e a ABEClin pode fortalecer e consolidar a área no Brasil.”, afirma a Presidente.
Mercado de trabalho e perspectivas para a carreira
O campo de atuação do engenheiro clínico é diversificado. Maranhão Sá aponta presença marcante em hospitais, mas também em órgãos públicos, fabricantes, empresas prestadoras de serviço e operadoras de saúde. Leonardo Abdala Elias, Diretor Financeiro da SBEB, destaca que o profissional é frequentemente requisitado por empresas que operam entre os hospitais e os fabricantes de equipamentos, além de atuar na idealização e execução de políticas públicas.
Apesar da presença consolidada em diversas instituições, ainda há desafios. Um deles é o desconhecimento de administradores hospitalares sobre o potencial técnico e gerencial da Engenharia Clínica. Saide Calil, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e criador e coordenador de um dos primeiros cursos de Especialização em Engenharia Clínica do Brasil, afirma que poucos hospitais envolvem esses profissionais nas reuniões de planejamento estratégico para aquisição de novas tecnologias. “É extremamente reduzido o número de hospitais que permitem a participação dos engenheiros clínicos em decisões estratégicas”, aponta.
Ainda assim, Maranhão Sá acredita que há um reconhecimento crescente dos engenheiros clínicos no Brasil. “A maioria dos hospitais de média e alta complexidade já possui uma equipe de Engenharia Clínica. E o selo ONA de qualificação mostra que há um padrão sendo seguido, mas ainda é um grande desafio da SBEB e da ABEClin juntas para que esse reconhecimento seja finalmente realizado”, afirma. Para ele, o maior desafio atual é acompanhar a velocidade das inovações tecnológicas e dominar ferramentas de gestão da qualidade.
Impacto da Engenharia Clínica na gestão hospitalar
A atuação do engenheiro clínico tem impacto direto na segurança do paciente e na eficiência hospitalar. Segundo Calil, a criação da profissão foi decisiva para resolver problemas graves. “Antes da Engenharia Clínica, eram comuns queimaduras e choques elétricos durante cirurgias com bisturi elétrico, por exemplo. Isso mudou com a chegada dos engenheiros clínicos e programas de controle de qualidade gerenciados por eles”, explica.
Além disso, a gestão da tecnologia médica envolve cálculo de custos, análise de viabilidade, incorporação de novos equipamentos, treinamentos e avaliação da segurança dos usuários. “A gestão de tecnologias inclui não apenas a manutenção, mas também a criação de programas de segurança e o acompanhamento dos custos de operação”, complementa Calil.
Com o avanço da telemedicina e da digitalização hospitalar, a Engenharia Clínica passa a ter um papel ainda mais integrado às inovações. Calil reforça que a atuação conjunta com as equipes de Tecnologia da Informação (TI) é essencial para proteger os dados dos pacientes e garantir a operação segura dos equipamentos conectados, o que ainda se apresenta como um desafio na área da saúde.
Formação acadêmica e capacitação
Apesar do avanço da área, a formação de engenheiros clínicos ainda enfrenta fragilidades estruturais no Brasil. Para José Wilson Magalhães Bassani, professor titular da Unicamp e pesquisador do Centro de Engenharia Biomédica (CEB) da Unicamp, “a formação acadêmica, de modo geral, dentro da Engenharia Biomédica carece de informação”. Segundo ele, há pouca clareza sobre os currículos, a formação dos docentes e a capacidade dos cursos em formar profissionais preparados para a prática.
Bassani defende que programas de residência podem ser um caminho viável para complementar a formação. “Desde que existam bolsas de valor aceitável e professores comprometidos com a imersão hospitalar, a residência pode qualificar verdadeiramente o engenheiro clínico”, afirma. Ele também destaca que a formação não pode ocorrer apenas a distância, sem a vivência hospitalar e contato com as ferramentas de gestão na prática.
Desafios e tendências para o futuro
A transformação digital e a automação hospitalar têm alterado profundamente o campo da Engenharia Clínica. Elias observa que equipamentos médicos, que agora incluem algoritmos de inteligência artificial e conexão com a internet, demandam novos conhecimentos. “Cada vez mais essas informações podem ser úteis para uma manutenção preditiva do parque de equipamentos. Além disso, já existem tentativas de uso de algoritmos de aprendizado de máquina para apoio ao gerenciamento de tecnologias para a saúde. Mas existem desafios, como a padronização e o volume de dados, uma vez que essas ferramentas funcionam bem quando você tem um grande volume de dados disponíveis para o bom treinamento dos algoritmos”, explica.
A SBEB, por sua vez, destaca que tendências como a Saúde 4.0, manutenção preditiva, robótica e a própria IA ampliam a demanda por engenheiros clínicos bem formados. Para Sônia, a consolidação da área depende da articulação entre instituições acadêmicas, associações profissionais e órgãos reguladores.
Para o professor Bassani, “falta investir nos lugares certos e dialogar com quem já produz algo concreto”. O crescimento da Engenharia Clínica no Brasil não é apenas uma resposta às transformações tecnológicas, mas uma necessidade diante da complexidade crescente do setor de saúde.