Campanha de prevenção ao suicídio chama atenção para a urgência dos transtornos mentais no Brasil e evidencia o papel de tecnologias no diagnóstico e no tratamento
O suicídio é um dos principais problemas de saúde pública no mundo. A cada ano, mais de 720 mil pessoas morrem por essa causa, segundo estimativas mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre jovens de 15 a 29 anos, o suicídio é hoje a terceira principal causa de morte globalmente, refletindo a gravidade do problema nessa faixa etária.
No Brasil, em 2023 foram registrados mais de 16,8 mil óbitos por suicídio, uma média de 46 mortes por dia. O suicídio permanece entre as principais causas de morte de jovens brasileiros, segundo os dados oficiais. Criada em 2015 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), a campanha Setembro Amarelo foi oficializada por meio da lei federal 15.199 em 2025, consolidando-se como política pública de conscientização e prevenção.
Os números reforçam a dimensão do desafio. Transtornos como depressão, ansiedade, burnout e dificuldades de aprendizagem afetam milhões de brasileiros. Além de comprometer a qualidade de vida, esses quadros sobrecarregam os sistemas de saúde e reduzem a produtividade. Embora tratamentos tradicionais, como medicamentos e psicoterapia, sigam centrais no cuidado, eles nem sempre são suficientes diante da complexidade dos transtornos mentais. É nesse contexto que a Engenharia Biomédica vem ganhando relevância, ao oferecer ferramentas capazes de aprofundar a compreensão sobre o cérebro e abrir espaço para terapias inovadoras.
Neuroimagem: precisão para compreender e personalizar
A neuroimagem é uma das áreas em que essa contribuição é mais evidente. O professor Draulio Barros de Araújo, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que as novas tecnologias têm ampliado a capacidade de observar alterações cerebrais ligadas a transtornos psiquiátricos.
“A ressonância magnética ultra-alta (7 T) oferece resolução espacial excepcional, permitindo examinar sub-regiões hipocampais com precisão individualizada, que estão associadas à depressão”, afirma Araújo.
Segundo o pesquisador, a evolução das técnicas não se limita a imagens de estruturas cerebrais. Métodos recentes de análise de redes permitem identificar biotipos clínico-comportamentais de depressão e ansiedade, o que pode orientar estratégias de cuidado mais direcionadas. Esse tipo de abordagem abre caminho para a chamada psiquiatria de precisão, em que cada paciente pode receber condutas ajustadas ao seu perfil biológico.
Parte desses avanços têm vindo de estudos com substâncias psicodélicas, como ayahuasca, psilocibina e LSD. Avaliadas por meio de protocolos de neuroimagem, elas mostraram mudanças na integração global do cérebro, associadas a um possível efeito terapêutico de reconfiguração de padrões neurais disfuncionais. “Essas pesquisas têm mostrado mudanças marcantes na integração global do cérebro, sugerindo potencial terapêutico para reconfigurar padrões neurais disfuncionais”, explica Araújo.
Além disso, ele ressalta que a convergência entre neuroimagem, inteligência artificial e análise de dados deve transformar a prática clínica nos próximos anos. “A convergência dessas áreas está transformando a psiquiatria em direção à medicina de precisão”, afirma. Como exemplo, cita um modelo baseado em múltiplos atlas cerebrais que analisa fMRI em repouso e já alcança cerca de 76% de acurácia no diagnóstico da depressão.
Neuromodulação: terapias em evolução
Se a neuroimagem ajuda a compreender os mecanismos cerebrais, a neuromodulação busca intervir diretamente nesses circuitos. Para o professor Edgard Morya, coordenador de pesquisas no Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra (ISD), a diversidade de técnicas mostra como a área tem avançado rapidamente.
“A neuromodulação utiliza diversas formas de energia, como a elétrica, magnética, óptica, acústica e a térmica, para inibir, excitar ou regular atividades do sistema nervoso central e periférico, seja de forma invasiva ou não invasiva”, explica Morya.
Entre as modalidades, a estimulação magnética transcraniana já é utilizada em casos de depressão resistente, embora dependa do uso de neuronavegadores para alcançar maior precisão espacial. Outra técnica em expansão é a estimulação elétrica transcraniana, que se destaca pelo baixo custo e pela portabilidade. Para Morya, a engenharia biomédica tem sido fundamental para tornar esses recursos mais acessíveis: “O desenvolvimento de sistemas portáteis com precisão espacial contribuirá para a disseminação dessa técnica”, afirma.
As pesquisas também se voltam para novas fontes de energia. A biofotomodulação, que utiliza infravermelho próximo, e o ultrassom pulsado de baixa intensidade começam a mostrar resultados clínicos promissores. Revisões recentes confirmam a eficácia de técnicas como a estimulação magnética e a estimulação elétrica em depressão resistente, com destaque para estudos publicados no Clinical Neurophysiology (2025) e no Frontiers in Human Neuroscience (2024).
Para o pesquisador, o futuro da área dependerá da integração entre diferentes tecnologias. “As próximas gerações de neuromoduladores devem controlar os parâmetros de estimulação de acordo com as informações registradas no tecido biológico e comportamentais que são continuamente analisadas e modeladas para ajuste dinâmico baseado em inteligência artificial”, projeta.
A Engenharia Biomédica tem se consolidado como ponte entre ciência e prática clínica. Ao mesmo tempo em que contribui para diagnósticos mais precisos, também abre espaço para terapias personalizadas em saúde mental.