Tecnologia criada pelo Grupo de Inovação em Instrumentação Médica e Ultrassom elimina o uso de radiação e pode democratizar o rastreamento no SUS
O câncer de mama é o tipo de câncer mais incidente entre mulheres no Brasil e no mundo. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), são estimados 74 mil novos casos anuais no país até 2025, o que mantém a doença como a principal causa de morte por câncer entre mulheres brasileiras. Diante desse cenário, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, desenvolveram uma tecnologia inédita: o primeiro tomógrafo de mama por ultrassom concebido no Brasil.
A inovação é resultado de mais de duas décadas de pesquisa do Grupo de Inovação em Instrumentação Médica e Ultrassom (GIIMUS), liderado pelo pesquisador Antonio Adilton Oliveira Carneiro, docente da USP e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica (SBEB). O projeto busca oferecer uma alternativa acessível, indolor e livre de radiação ionizante para o rastreamento e o diagnóstico precoce do câncer de mama, com potencial de integração ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Com exceção de alguns módulos eletrônicos específicos para a geração e a captação das ondas ultrassônicas, toda a tecnologia envolvida é de origem nacional. “O design do projeto e todos os protocolos de geração e processamento das imagens, desde sua concepção até a prototipagem, é fruto exclusivo da ciência brasileira”, destaca Carneiro.
Segundo o pesquisador, o conhecimento acumulado pelo grupo ao longo dos anos possibilita uma formação completa dos profissionais, capacitando uma equipe de pesquisadores para compreender as demandas e os desafios do sistema de saúde brasileiro. “O grupo atua não apenas na fronteira do conhecimento científico, mas também em sua translação para a sociedade, promovendo a aplicação prática dos métodos desenvolvidos em um sistema essencial às realidades brasileiras”, explica o pesquisador
O projeto recebeu investimento de uma emenda de bancada destinada pela senadora Mara Gabrilli. Segundo a parlamentar, investir em inovação é uma forma de enfrentar, com seriedade, um problema que ainda ceifa milhares de vidas no país. “O número alarmante de casos exige uma ação imediata. Apoiar essa inovação foi um gesto de coerência com tudo o que defendo em minha trajetória: saúde pública de qualidade, equidade e ciência a serviço da vida. Sem o apoio do Estado, iniciativas como essa não ganham escala nem chegam a quem mais necessita. Ciência e tecnologia precisam estar a serviço da justiça social – e cabe ao poder público, inclusive o Parlamento, garantir isso”, explica a Senadora.
Da necessidade à inovação
“O GIIMUS tem como ponto de partida para suas investigações as demandas reais da sociedade. No caso do câncer de mama, identificamos uma lacuna importante que é a dificuldade de diagnóstico precoce e equitativo, especialmente em regiões afastadas dos grandes centros. Embora existam métodos consagrados, como a mamografia e a ressonância magnética, eles ainda apresentam limitações de custo, acesso e aplicabilidade clínica”, explica Carneiro.
Com essa motivação, o grupo iniciou o desenvolvimento de um sistema robótico de tomografia por ultrassom, capaz de realizar varreduras tridimensionais da mama sem dor e sem a necessidade de compressão. “A tecnologia tem potencial de integração ao SUS, democratizando o diagnóstico e reduzindo significativamente a mortalidade por câncer de mama”, afirma o pesquisador.
Segundo Mara, apoiar tecnologias nacionais voltadas à saúde da mulher é essencial para reduzir desigualdades históricas de acesso. “Muitas mulheres, especialmente as mais jovens e em situação de vulnerabilidade, simplesmente não conseguem fazer exames preventivos por falta de acesso à mamografia. E isso também inclui mulheres com deficiência, que muitas vezes não têm um equipamento acessível. Valorizar e investir em soluções nacionais significa tornar nossa saúde pública mais inclusiva, mais eficiente e mais justa.”
Tecnologia 100% digital e sem radiação
Diferente da mamografia convencional, o tomógrafo desenvolvido pelo GIIMUS elimina completamente o uso de radiação ionizante. O sistema utiliza um braço robótico automatizado, que garante padronização e reprodutibilidade das imagens, reduzindo a dependência da habilidade do operador.
Além disso, o equipamento foi projetado para funcionar em consonância com os princípios da telessaúde (Lei nº 14.510/2022). Com isso, técnicos de saúde locais podem realizar o exame, enquanto radiologistas em outros centros fazem a leitura das imagens remotamente.
“As imagens são totalmente digitais e podem ser analisadas com apoio de inteligência artificial, capaz de identificar padrões suspeitos e auxiliar no diagnóstico precoce. Isso é decisivo num contexto em que um em cada três casos de câncer de mama no Brasil ainda é diagnosticado em estágio avançado”, explica Carneiro.
Resultados promissores em estudo clínico
O protótipo do tomógrafo encontra-se em fase inicial de estudo clínico, e os primeiros resultados indicam elevado potencial diagnóstico.
Um dos casos acompanhados pelo grupo envolveu uma jovem voluntária que teve uma lesão identificada pelo equipamento, posteriormente confirmada por biópsia e tratada cirurgicamente.
Os próximos passos incluem a validação do sistema em pacientes atendidos na rotina do Centro de Imagens do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP). A tecnologia permite mapear a mama de forma tridimensional e reprodutível, possibilitando o monitoramento de lesões suspeitas e a avaliação da resposta terapêutica em diferentes estágios da doença.
A senadora também destacou o papel do investimento público na aproximação entre ciência e sociedade. “Quando conseguimos reduzir o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento, estamos falando diretamente de salvar vidas. O impacto social disso é imenso – especialmente para as populações mais vulneráveis, que enfrentam grandes barreiras no acesso à saúde. Tecnologias que tornam exames mais acessíveis e diagnósticos mais rápidos precisam de incentivo para chegar à ponta, onde realmente fazem a diferença”, afirmou.
Anos de pesquisa e superação de barreiras
O GIIMUS acaba de completar 20 anos de trajetória, consolidando-se como um dos principais núcleos de pesquisa translacional do país. O grupo reúne pesquisadores com formação multidisciplinar em Física Aplicada à Medicina e Biologia, atuando em projetos que conectam academia, setor produtivo e sociedade.
“O grupo é responsável por vários protótipos de impacto científico e social, alguns deles incubados ou acelerados no Supera Parque de Inovação e Tecnologia de Ribeirão Preto, cuja criação teve participação fundamental do GIIMUS”, explica Carneiro.
Essa infraestrutura, aliada a uma rede nacional e internacional de cooperação científica, tem sido decisiva para superar desafios técnicos e ampliar a competitividade global das pesquisas. Além do apoio de emenda de bancada da Senadora Mara Gabrilli, esse projeto também conta com o apoio de agências de fomento como Fapesp, CNPq e CAPES.
“Esse investimento tem permitido acelerar o desenvolvimento do protótipo, visando disponibilizar ao SUS uma tecnologia acessível, reprodutível e 100% nacional, capaz de reduzir desigualdades regionais no diagnóstico e tratamento do câncer de mama”, reforça o pesquisador.
Caminho para a soberania tecnológica em saúde
Segundo Carneiro, o domínio brasileiro sobre o desenvolvimento científico e tecnológico abre novas possibilidades para o país. “Essa inovação não apenas representa um avanço científico, mas também fortalece a soberania tecnológica nacional. Ao produzir conhecimento e tecnologia no Brasil, reduzimos custos, ampliamos o acesso e impulsionamos a capacidade do país de responder a seus próprios desafios em saúde”, conclui.
Para Mara, fortalecer o SUS passa, necessariamente, por investir em ciência, tecnologia e inovação. “Melhorar a saúde da mulher exige uma abordagem transversal e integrada. Precisamos avançar com políticas públicas robustas de fomento à pesquisa e à inovação tecnológica voltadas especificamente para a saúde da mulher. É por meio da inovação que vamos desenvolver soluções mais acessíveis e reduzir desigualdades históricas no cuidado com a saúde feminina. Fortalecer o SUS passa, necessariamente, por investir em ciência, tecnologia e inovação – e não como um luxo, mas como uma estratégia indispensável para salvar vidas e promover justiça social.”