Bioimpressão 3D de tecidos e órgãos: o futuro da medicina regenerativa

Com a união entre engenharia, biologia e inovação, pesquisadores brasileiros aproximam a realidade clínica de um novo modelo de medicina personalizada e menos invasiva

Composta por células vivas e materiais biocompatíveis, a bioimpressão 3D de tecidos e órgãos se firma como uma das mais promissoras frentes da medicina regenerativa. No Brasil, instituições públicas, empresas e pesquisadores têm desenvolvido soluções inovadoras que conectam o avanço tecnológico à prática clínica.

A Engenharia Biomédica tem contribuído ativamente para a construção de soluções na área de bioimpressão, em especial por seu caráter multidisciplinar. A formação nesta área permite que engenheiros atuem em diferentes etapas do processo: desde o desenvolvimento de biotintas e scaffolds — estruturas tridimensionais que suportam o crescimento de tecidos — até a automação de cultivos celulares e a criação de sensores de viabilidade.

Segundo Sônia Maria Malmonge, presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica (SBEB), “A Engenharia Biomédica tem um papel estratégico na consolidação da medicina regenerativa, atuando como ponte entre a pesquisa básica, o desenvolvimento tecnológico e a aplicação clínica”.

Para incentivar a formação de profissionais capacitados, ela defende ações como a inclusão de disciplinas sobre biofabricação nos cursos, parcerias internacionais, bolsas de pesquisa para jovens cientistas e promoção de eventos voltados à inovação.

Avanços recentes e aplicações promissoras

Nos últimos anos, a bioimpressão 3D avançou de forma significativa. Hoje, estruturas como traqueias, orelhas, pele e modelos tumorais já estão em fases de ensaios clínicos em centros internacionais e nacionais. A tecnologia também tem impulsionado setores como o de cosméticos e farmacêuticos, ao substituir modelos animais por tecidos artificiais.

Segundo Janaina Derenowsek, CEO da BioedTech e da QuantisBio, são observados progressos em todas as etapas do processo de bioimpressão. “A bioimpressão se consolidou como uma aplicação viável, com impacto direto em métodos alternativos de testes.”

Entre as aplicações mais próximas da realidade clínica estão os enxertos ósseos e cartilaginosos personalizados, além da pele bioimpressa voltada para o tratamento de queimaduras e úlceras. Modelos tridimensionais de tumores também se destacam por oferecerem alternativas personalizadas para o planejamento terapêutico.

De São Paulo para o país

Com uma longa trajetória em impressão 3D, o CTI Renato Archer estruturou em 2019 um laboratório voltado para cultivo celular, o que permitiu a transição de modelos computacionais para estruturas bioimpressas em laboratório.

Juliana Daguano, diretora do CTI, conta que a experiência do centro com reconstruções ósseas em cranioplastia contribuiu para essa evolução. “A bioimpressão no CTI Renato Archer era apenas baseada em simulação e modelagem computacional. Em 2019, com a estruturação do laboratório de cultivo celular, passamos a materializar in vitro os modelos que até então estavam apenas no ambiente digital.”

Hoje, o centro atua com foco em regeneração óssea, modelagem de doenças e desenvolvimento de dispositivos como organ-on-chip com gêmeos digitais. “Estamos desenvolvendo uma plataforma híbrida com organ-on-chip e gêmeo digital, que pode ajudar, por exemplo, na escolha terapêutica para pacientes com leucemia pediátrica”, explica Juliana.

Ela acrescenta que essa tecnologia pode representar uma virada na medicina personalizada. “Esse sistema híbrido pode simular respostas terapêuticas com base em células do próprio paciente, contribuindo para decisões clínicas mais seguras e menos invasivas. Por exemplo, um paciente pediátrico com leucemia linfóide aguda pode ter até 60 opções de terapêutica. Essa abordagem permitiria identificar, de forma precisa, a melhor estratégia para o caso.”

O modelo também se destaca pelo trabalho em rede com hospitais, centros de pesquisa e universidades. Em parceria com o Hospital Boldrini, CNPEM, CBPF e UFABC, o CTI contribui para soluções em medicina personalizada e participa da formação de novos pesquisadores. Outro destaque é o Programa Promed, que já apoiou mais de 6.400 cirurgias no SUS com economia estimada em mais de R$ 80 milhões para os cofres públicos.

“O CTI atua como ponte entre o setor acadêmico, governamental e produtivo. Essa tríplice hélice é fundamental para transformar pesquisa em inovação aplicada à saúde”, afirma Juliana.

Desafios técnicos e barreiras regulatórias

Apesar dos avanços, a bioimpressão ainda enfrenta obstáculos técnicos, como a vascularização funcional das estruturas. Estratégias como impressão de canais, uso de fatores de crescimento angiogênicos e co-culturas celulares estão sendo testadas para resolver esse desafio.

“A criação de redes vasculares funcionais é um dos maiores desafios da bioimpressão. Mas os resultados atuais apontam diversas direções promissoras”, destaca Janaina.

A formulação das biotintas também é um ponto crítico, pois precisa garantir viabilidade celular, integridade estrutural e adesão específica ao tipo de tecido a ser regenerado. Além disso, a integração dos tecidos bioimpressos ao organismo exige ensaios pré-clínicos robustos e, preferencialmente, o uso de células do próprio paciente para minimizar rejeições.

No campo regulatório, ainda há incertezas. A ausência de normas específicas sobre produtos bioimpressos atrasa a translação das pesquisas para a prática clínica. “É urgente o desenvolvimento de normas claras, específicas e adaptadas às particularidades de cada aplicação da bioimpressão”, reforça Janaina.

Sônia afirma que ações com os órgãos reguladores são um tema que já entrou na pauta da sociedade. “Pretendemos criar oportunidades para debater os aspectos éticos e legais com especialistas e discutir com a ANVISA e o Ministério da Saúde a criação de diretrizes claras sobre bioimpressão.”

Ações da SBEB e perspectivas para o Brasil

A SBEB tem se mobilizado para incluir a bioimpressão em sua agenda estratégica. A proposta é usar os eventos da sociedade para atrair pesquisadores, abrir espaço para o debate técnico e articular, no futuro, interlocuções com órgãos reguladores como a ANVISA e o Ministério da Saúde.

Para que a bioimpressão avance no Brasil, é necessário fortalecer a formação de recursos humanos especializados, investir em infraestrutura e estimular a cooperação entre universidades, hospitais, governo e setor produtivo. “O Brasil tem potencial para ser protagonista na América Latina. Mas para isso é preciso incentivo, formação qualificada e políticas públicas alinhadas ao desenvolvimento da área”, conclui Sônia.

Dessa forma, a bioimpressão 3D deixa de ser apenas uma promissora ideia laboratorial e passa a integrar uma estratégia nacional para o avanço da medicina regenerativa no país, com potencial real de transformar a prática clínica nos próximos anos.

Compartilhe este Post!

Rolar para cima