Engenharia Biomédica no Brasil: ciência, mercado e o desafio da autossuficiência tecnológica

SBEB explora os avanços e gargalos do setor, com reflexões sobre como reduzir a dependência de tecnologias importadas na saúde brasileira

A Engenharia Biomédica desponta como um setor estratégico para o avanço da saúde no Brasil, unindo ciência e tecnologia na busca por soluções inovadoras para diagnósticos, tratamentos e monitoramento de pacientes. O país conta com mais de 25 cursos de graduação na área, além de cursos de pós-graduação, com instituições como USP, Unicamp, UFABC, ITA, UFMG, UFPE, UEPB, dentre outras, balizando a formação de profissionais especializados. No entanto, a dependência de produtos importados segue como um dos maiores desafios para o setor, impactando desde custos operacionais até a disponibilidade de equipamentos em hospitais públicos e privados.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (ABIMO), 80% dos dispositivos médicos utilizados no país são importados, tornando o sistema de saúde vulnerável às oscilações cambiais e barreiras comerciais. Esse cenário ficou ainda mais evidente durante a pandemia de COVID-19, quando a escassez de equipamentos essenciais, como ventiladores mecânicos e monitores cardíacos, comprometeu a capacidade de resposta do país à crise sanitária.

Os cursos de Engenharia Biomédica no Brasil têm evoluído para acompanhar as demandas do mercado e da pesquisa, mas ainda enfrentam desafios, principalmente diante da rápida evolução tecnológica e das especificidades do setor. Para Sônia Maria Malmonge, Presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica (SBEB), “embora as universidades brasileiras estejam formando engenheiros biomédicos competentes, sempre existem possibilidades de ajustes que podem alinhar melhor a formação acadêmica com as demandas do mercado e da pesquisa”.

Entre as habilidades mais valorizadas no setor estão o trabalho em equipe, a capacidade de comunicação e a competência para inovação e empreendedorismo. “A maior interação entre academia e indústria, além de uma maior ênfase na inovação e no uso de novas tecnologias, poderia ajudar a criar profissionais mais preparados para os desafios atuais e futuros da área”, avalia Sônia.

Áreas de atuação e pesquisas em destaque

A Engenharia Biomédica brasileira vem se destacando em diversas frentes, impulsionada pelos avanços tecnológicos globais e pelas demandas crescentes do sistema de saúde. Eduardo Jorge Valadares Oliveira, professor do NUTES/UEPB, destaca que “entre os principais campos podemos destacar os dispositivos médicos e as tecnologias assistivas, que envolvem o desenvolvimento de dispositivos para diagnóstico e terapias, próteses personalizadas por meio de impressão 3D, órteses inteligentes e soluções para reabilitação”.

Outros segmentos promissores incluem a bioimpressão 3D para a engenharia de tecidos, a integração da Inteligência Artificial para diagnósticos assistidos e o avanço da Internet das Coisas Médica (IoMT), que permite o monitoramento remoto de pacientes e aprimora a eficiência da saúde digital.

Com a crescente necessidade de inovações em saúde, o mercado para engenheiros biomédicos no Brasil está em expansão. O setor de dispositivos médicos e tecnologias de reabilitação lidera esse crescimento, seguido por áreas emergentes como a telemedicina, a IA aplicada à saúde e a automação hospitalar.

“A automação e a engenharia clínica ganham destaque com a modernização dos hospitais, que necessitam de profissionais qualificados para gerenciar e integrar sistemas de equipamentos médicos, garantindo maior eficiência e segurança nos processos hospitalares”, afirma Oliveira.

Integração entre academia e indústria

A Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica (SBEB) tem atuado fortemente na conexão entre academia e indústria, promovendo eventos e incentivando parcerias estratégicas para o desenvolvimento do setor. “A SBEB organiza o Congresso Brasileiro de Engenharia Biomédica (CBEB), um dos maiores eventos da área na América Latina, reunindo um número significativo de empresas e pesquisadores, fomentando a interação entre os diferentes atores da cadeia produtiva”, destaca Sônia. Além disso, a sociedade tem ampliado a visibilidade das instituições de ensino e pesquisa, divulgando-as em sua plataforma oficial e promovendo a regulamentação da profissão para fortalecer o reconhecimento da engenharia biomédica no Brasil.

A atuação da SBEB também se estende a iniciativas como a participação em eventos como a Hospitalar, uma das maiores feiras de saúde da América Latina, e o apoio à Revista Brasileira de Engenharia Biomédica (RBEB), que divulga estudos e avanços na área. “Estamos ampliando parcerias com entidades como ABECLIN, SBIS e SLABO para fortalecer ainda mais esse ecossistema e aproximar a engenharia biomédica das necessidades reais do setor”, conclui Sônia.

Dependência de produtos importados

A importação de dispositivos médicos não apenas encarece o acesso a tecnologias de ponta, mas também impacta a sustentabilidade do sistema de saúde. “A manutenção de equipamentos importados depende de peças e assistência técnica estrangeira, o que pode gerar demoras e paralisações em hospitais”, alerta a Presidente da SBEB.

Oliveira reforça que a dependência de insumos biomédicos e semicondutores estrangeiros também representa um risco, tornando a pesquisa nacional vulnerável a flutuações econômicas e restrições comerciais. “A total dependência de componentes e insumos críticos sujeita as atividades e os projetos de pesquisa a instabilidades econômicas, como a variação cambial, que influencia diretamente os preços de equipamentos e insumos essenciais”.

Caminhos para a autossuficiência tecnológica

Para reverter esse cenário, os especialistas apontam a necessidade de um amplo programa de incentivo à inovação e à produção nacional de dispositivos médicos. Entre as medidas sugeridas estão o fortalecimento do financiamento via FINEP, BNDES e CNPq, a criação de fundos específicos para startups biomédicas e a ampliação de parcerias entre universidades, hospitais e indústrias.

Para Sônia, melhorar os processos da ANVISA, reduzindo prazos para aprovação de dispositivos médicos sem comprometer a segurança, é essencial para incentivar a inovação local. Já para Oliveira, “o estabelecimento de parcerias entre universidades e indústrias pode acelerar a translação de tecnologias para o mercado, garantindo que as inovações acadêmicas sejam efetivamente aplicadas no setor produtivo”.

Com investimentos adequados e estratégias bem direcionadas, o Brasil tem o potencial de se tornar uma referência global na produção de tecnologias médicas, reduzindo sua dependência externa e fortalecendo a engenharia biomédica nacional.

Compartilhe este Post!

Rolar para cima